O Presente Misterioso Que O Brasil Não Queria: Michel Temer, Salvador Da Direita?

Foi uma notícia do Estadão que trouxe um alívio inesperado ao coração de muitos brasileiros. Um artigo que, para alguns, pareceu um raio de esperança em meio à tempestade política que assombra o país há anos. E não foi um artigo qualquer — falava sobre Michel Temer , ex-presidente cujo nome carrega marcas profundas da história recente do Brasil, e como ele estaria se movimentando para unir a direita nacional num projeto chamado "Movimento Brasil".


Sim, você leu certo. Michel Temer, aquele mesmo que entrou na Presidência após o impeachment de Dilma Rousseff, está tentando ser visto como o salvador da direita brasileira . Alguém capaz de reunir governadores, consolidar pautas e criar uma alternativa viável à polarização entre Lula e Bolsonaro.


E é aqui que a narrativa começa a ficar estranha. Porque se por um lado a ideia pode soar como algo necessário, por outro ela traz consigo um passado pesado demais para ser ignorado. Afinal, o homem que ajudou a colocar Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) agora quer nos salvar de quem? De si mesmo?


O Editorial do Estadão e o Alívio Inesperado

Tudo começou com um editorial do jornal O Estado de S. Paulo , onde jornalistas e analistas políticos relataram uma iniciativa do ex-presidente Michel Temer. Ele, segundo reportagem, teria articulado um encontro com cinco governadores de estados importantes:


Tarcísio Freitas (SP)

Eduardo Leite (RS)

Romeu Zema (MG)

Reinaldo Azevedo (SP – antes de deixar o cargo)

Ratinho Júnior (PR)

Esses nomes, todos eles vistos como figuras emergentes da direita mais moderada ou de centro-direita, têm em comum a ausência de vínculo explícito com o bolsonarismo. Alguns até já declararam publicamente que não apoiam Jair Bolsonaro. Outros mantêm distanciamento estratégico. Mas todos parecem cientes de um fato: a direita precisa de uma nova cara .


E é nesse espaço vazio que Temer decidiu entrar.


Segundo o Estadão , a proposta dele é simples: criar um programa de governo comum , sem definição imediata de candidatura presidencial, mas com compromisso mútuo de não atacar uns aos outros durante as prévias. O objetivo seria evitar fragmentação e oferecer ao eleitorado cansado da polarização uma opção clara, republicana e democrática — tudo aquilo que o bolsonarismo, em sua visão, não representa.


A escolha do timing também não é casual. Com o julgamento de Bolsonaro no STF cada vez mais próximo e a possibilidade real de inelegibilidade, o momento é delicado. A direita precisa de uma saída. E Temer, surpreendentemente, aparece como o autor desse plano.


O Movimento Brasil: Uma Direita Sem Radicalismo

O “Movimento Brasil” — diferente do antigo MBL (Movimento Brasil Livre), que era ligado à juventude liberal — nasce sob a batuta de um político que, historicamente, sempre esteve mais próximo do centrão do que propriamente da direita radical. Seu histórico é marcado por reformas impopulares, um mandato curto e conturbado, e uma rejeição generalizada após o impeachment de Dilma Rousseff.


Mesmo assim, o movimento busca algo ambicioso: refazer a imagem da direita brasileira . E isso significa, basicamente, distanciar-se do bolsonarismo , especialmente diante do risco de que eventuais herdeiros do ex-presidente tenham que seguir fielmente seus passos ideológicos, caso queiram manter os votos conquistados por ele.


Temer propõe que esses governadores avancem com suas próprias campanhas, mas concordem previamente com um conjunto de pautas básicas — economia de mercado, segurança jurídica, reformas fiscais, federação fiscal e controle de gastos públicos. E só definiriam um nome único para a disputa presidencial lá por meados de 2026, quando o futuro de Bolsonaro estivesse mais claro.


Essa estratégia é inteligente. Ela permite que os governadores mantenham autonomia local, evitem confrontos internos desnecessários e, ao mesmo tempo, construam uma identidade coletiva. É uma tentativa de federar forças regionais para criar uma direita menos personalista e mais programática .


Um Projeto Bem-vindo... Ou Um Presente Envenenado?

Se a ideia soa bem no papel, ela também levanta dúvidas. Como confiar em alguém que, no passado, ajudou a consolidar justamente o tipo de sistema político que agora se quer combater? Michel Temer, afinal, não é exatamente sinônimo de renovação. Ele faz parte da velha guarda, da mesma casta que ocupou cargos importantes no PMDB, no MDB e em outras legendas do centrão.


E o mais irônico de tudo? Foi ele quem indicou Alexandre de Moraes ao STF.


Isso mesmo. O homem que hoje é apontado como vilão judicial, perseguidor de opositores, responsável pelo inquérito das fake news e pela prisão de aliados de Bolsonaro, chegou ao Supremo graças a um voto de Temer. Um detalhe que não pode ser esquecido.


“Era melhor não ter feito o impeachment da Dilma”, disse o próprio narrador da transcrição original. “Se a Dilma não tivesse sofrido o impeachment, o Alexandre de Moraes não estaria no STF.” E ele tem razão. Tudo indica que, sem o impeachment, o cenário político seria completamente diferente. Talvez o país tivesse seguido para uma eleição natural em 2018, com Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes, e talvez o Judiciário não estivesse tão politizado quanto está hoje.


Mas não foi isso que aconteceu. Fizemos o impeachment. Temer assumiu. E Moraes entrou no STF. Agora, décadas depois, o mesmo Temer surge como o possível mediador de uma direita que tenta se reinventar. Ironias da vida.


O Fantasma do Passado Que Assombra o Futuro

Muitos viram no "Movimento Brasil" uma luz no fim do túnel. Afinal, o bolsonarismo tem sido acusado de radicalizar a política, de promover discursos de ódio e de incentivar práticas antidemocráticas — principalmente após os eventos de 8 de janeiro de 2023. E a direita precisa urgentemente de uma renovação. Mas será que essa renovação pode vir pelas mãos de quem ajudou a criar o problema atual?


É aqui que a torcida conservadora se divide. Há quem veja no projeto de Temer uma oportunidade de refundar a direita , criando uma alternativa institucional, menos agressiva, mais dialogada com setores da sociedade civil e da economia. Mas há também quem duvide. Afinal, esse é o mesmo grupo que, em 2014, apostou em Aécio Neves como candidato. E em 2018, achou que Geraldo Alckmin seria o grande salvador da pátria.


Não deu certo. E o que garante que agora dará?


Bolsonaro Não Vai Facilitar

Outro ponto importante é a resposta do campo bolsonarista. Jair Bolsonaro e seus filhos não estão dispostos a abrir mão facilmente da base eleitoral que construíram. Eles sabem que seu poder depende diretamente da fidelidade dos apoiadores mais radicais. E qualquer tentativa de formar uma direita mais moderada, mais técnica e menos messiânica, corre o risco de ser vista como uma traíra .


Além disso, há o fator legal. Caso Bolsonaro seja condenado e realmente se torne inelegível, a pressão aumenta ainda mais para que seu grupo político continue ditando as regras da direita. Qualquer governador que quiser ser candidato à Presidência precisará provar que é fiel ao legado do ex-presidente. Do contrário, corre o risco de perder apoio popular e regional.


Nesse jogo, Temer entra como uma espécie de mediador improvável. Alguém que, paradoxalmente, não tem legitimidade pessoal , mas tem experiência em fazer acordos. E é isso que ele está vendendo: não um novo líder, mas um novo caminho. Um caminho onde a direita brasileira não precise depender de um culto à personalidade, mas sim de projetos comuns e convergência de ideias.


O PSDB Está de Volta?

Uma comparação inevitável surge: é o retorno do teatro das tesouras . Lembram daquela época em que o PSDB se apresentava como a única alternativa séria ao PT? Quando Aécio Neves, Serra e Aloysio Nunes eram vistos como os guardiões da responsabilidade fiscal e da ética pública?


Pois é. Hoje, são lembrados com ironia. E o motivo é claro: fracassaram . Foram vistos como parte do mesmo sistema que diziam combater. E acabaram perdendo força justamente quando mais precisavam de apoio.


Agora, o que vemos é algo semelhante. Governadores de diferentes partidos, liderados por um político com passado duvidoso, tentando convencer o país de que podem representar algo novo. Será que vai funcionar?


A resposta é incerta. Mas o fato de o próprio Temer estar envolvido deixa muita gente desconfiada. Afinal, como cobrar mudança se o protagonista dessa nova fase é alguém que ajudou a consolidar o status quo?


O Caminho Para 2026: Unir ou Fragmentar?

O calendário traçado por Temer é cuidadoso. Ele não quer definir um nome ainda. Prefere esperar até o primeiro semestre de 2026, quando o processo contra Bolsonaro no STF já terá desfecho. Se Bolsonaro for condenado, o bolsonarismo perde força. Se for absolvido, ainda assim haverá espaço para uma direita mais ampla, que vá além de sua figura.


Esse adiamento proposital serve para duas coisas:


Evitar conflitos prematuros entre os governadores, que ainda precisam governar seus estados.

Manter distância do julgamento de Bolsonaro , para não ser interpretado como um movimento anti-Bolsonaro, o que poderia alienar parte significativa do eleitorado.

Mas a maior crítica ao movimento não vem da esquerda. Vem de dentro da própria direita. Muitos dizem que não dá para separar a direita do bolsonarismo . Que o eleitor que votou em Bolsonaro não quer ouvir falar em "moderação", "polarização suave" ou "diálogo institucional". Quer resistência. Quer revolução. Quer mudanças radicais.


E se o "Movimento Brasil" quer ser moderado, democrático e republicano, então ele pode perder exatamente quem mais precisa — o eleitor que está cansado de políticos tradicionais e que viu em Bolsonaro uma ruptura necessária.


Michel Temer: O Pai Adotivo da Nova Direita?

O mais surreal de tudo é que Michel Temer, por mais contraditório que pareça, está tentando ressuscitar um modelo de direita que ele mesmo ajudou a matar. Ele, que tanto se aproximou do PT, que tanto negociou com o centrão e que tanto defendeu agendas técnicas, agora quer ser visto como o pai de uma direita renovada, moderna e democrática.


É como se o passado fosse apagado. Como se o homem que indicou Alexandre de Moraes ao STF pudesse, de repente, ser o mediador de uma nova direita. Alguém que, em vez de perseguir ministros do Supremo, agora quer proteger os governadores do excesso de radicalismo.


Para muitos, isso é ridículo. Para outros, é uma jogada genial. Porque, na política, o passado não importa tanto quanto o presente. E o presente pede unidade. O presente pede uma alternativa. O presente pede um rosto que não seja o de Lula nem o de Bolsonaro.


E quem melhor do que Temer para isso? Alguém que já viu de tudo. Que já negociou com todos. Que já foi presidente, já foi vice, já foi ministro, já foi deputado. Alguém que sabe como funciona o jogo — e que, talvez, saiba como burlar as armadilhas do sistema.


Um Projeto Corajoso ou Um Refrão do Passado?

Michel Temer não é um nome que inspire confiança. Nem entre os conservadores, nem entre os liberais, nem entre os liberais mais radicais. Mas ele é alguém que entende de jogo político. E entende que, para a direita brasileira voltar a voar alto, ela precisa parar de depender de um único homem.


O "Movimento Brasil" pode ser lido de várias formas. Pode ser a tentativa sincera de reconstruir a direita, limpar sua imagem e oferecer ao país uma alternativa real. Ou pode ser apenas mais um espetáculo de conveniência, orquestrado por quem já viveu seu tempo de glória e agora tenta voltar à cena.


Independentemente de qual seja a verdade, uma coisa é certa: a direita está em crise . Precisa de novas ideias, novos rostos e novas estratégias. E se Temer é o melhor que ela tem, talvez o Brasil deva preparar-se para mais uma rodada de expectativas frustradas.


Porque, às vezes, não é o projeto que salva a direita. É a forma como ele chega. E se ele chegar com cheiro de retrocesso, pode ser recusado de novo.

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