Em um país onde a política já caminha na corda bamba entre legalidade e oportunismo, um novo episódio promete abalar as bases do que ainda resta de institucionalidade no Brasil. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi flagrado em uma fala pública que vai muito além de opinião pessoal ou liberdade de expressão é uma interferência direta e explícita na disputa eleitoral local, proferida durante um evento acadêmico e transmitida com a solenidade de uma aula magna.
E não foi qualquer fala. Foi uma sugestão clara sobre quem deveria ser o candidato à governador do Maranhão em 2026: Felipe Camarão , o atual vice-governador. E mais surpreendente ainda: ele indicou como possível companheiro de chapa Tereza Helena Barros , professora universitária e figura próxima ao grupo político de Dino. Uma manobra política travestida de brincadeira inocente? Não. Foi a exposição nua e crua de como certos ministros do STF têm usado suas posições para moldar realidades políticas locais, sem respeitar os limites da imparcialidade.
A Aula Magna Que Virou Comício Partidário
Tudo aconteceu em São Luís, no Maranhão. Um cenário aparentemente inofensivo: uma aula magna voltada para estudantes de Direito. O objetivo era debater temas jurídicos relevantes, ouvir um magistrado renomado e aprender com sua experiência. Mas Dino decidiu usar o palco não para ensinar, mas para lançar nomes na corrida eleitoral estadual.
Ele tratou Felipe Camarão, vice-governador, como se fosse candidato oficializado. Disse que ele “tem perfil de governador”. Sugeriu que Tereza Helena seria uma boa vice. Tudo isso diante de uma plateia que não esperava ouvir um discurso partidário em pleno evento acadêmico. E, pior: tudo isso sob aplausos e sorrisos discretos de quem já sabia o jogo sujo que estava sendo jogado.
Na verdade, não foi apenas uma fala aleatória. Foi uma mensagem direcionada. Um recado claro para o campo político do estado. Um gesto de alinhamento com um lado da disputa e um afastamento definitivo de outro.
Três Razões Para Entender Por Que Isso É Crime de Responsabilidade
A reação inicial de muitos foi minimizar o caso: “Ah, foi só uma brincadeira. Ninguém levou a sério.” Mas essa postura é perigosa. É exatamente assim que a corrupção institucional começa: com justificativas leves para atitudes graves.
Vamos analisar, então, por que essa conduta de Dino não pode ser ignorada:
1. Uso Indevido do Cargo para Interferir no Processo Eleitoral Local
Flávio Dino não é apenas mais um cidadão brasileiro. É um ministro do Supremo Tribunal Federal, ou seja, um dos juízes mais altos do país. Em breve, assumirá também a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), num rodízio interno que dá aos ministros do STF o controle temporário das eleições brasileiras.
Essa posição lhe confere poder simbólico e real sobre o processo eleitoral nacional. Ao lançar publicamente um nome como potencial candidato, ele cria um efeito de legitimidade que poucos outros teriam. Isso não é simples apoio. É interferência. E quando vinda de alguém que controlará as regras do jogo eleitoral, é algo que beira o conflito de interesses.
2. Violação Crônica do Princípio de Imparcialidade
Um ministro do STF tem, acima de tudo, que ser imparcial. É esse o cerne da Justiça: julgar sem favoritismos, sem escolhas ideológicas claras, sem envolvimento em disputas políticas. Mas Dino mostrou que não age como juiz. Age como político.
Sua trajetória no Judiciário já é cercada de dúvidas quanto ao seu distanciamento da militância partidária. Mas agora, ao sugerir explicitamente nomes para cargos eletivos, ele ultrapassou qualquer limite. Fez o que todo juiz deve evitar: manifestou preferência política em um momento em que deveria representar isenção absoluta.
Isso é especialmente grave porque Lula, ao indicá-lo ao STF, admitiu publicamente que via nele não um técnico do Direito, mas um operador político. “Quero alguém que entenda de política”, teria dito o presidente na época. Agora, todos estão vendo o resultado dessa estratégia.
3. Intervenção no Cenário Político Local Como Forma de Vingança Política
Dino não fez isso por acaso. Ele rompeu publicamente com o atual governador do Maranhão, Carlos Brandão , em dezembro de 2024. O desentendimento foi profundo, com trocas de farpas nas redes sociais e posicionamentos contrários em decisões importantes.
Ao lançar Felipe Camarão como futuro candidato, Dino está fazendo mais do que uma indicação. Está declarando guerra política. Está usando sua posição de ministro para interferir diretamente no jogo eleitoral estadual , prejudicando adversários e fortalecendo aliados.
E isso é perigoso. Porque se um ministro do STF pode decidir quem entra ou sai da disputa eleitoral local, estamos diante de um golpe institucional mascarado de liberdade de expressão.
A Repercussão Imediata: Entre o Silêncio e a Revolta
Jornais como O Globo já destacaram o caso, apontando que Carlos Brandão, até então aliado de Dino , teria ficado irritado com a intervenção. Afinal, o que parece uma sugestão amigável é, na verdade, uma tentativa de substituição. De mudança de narrativa política. De rearranjo de poder.
Para muitos observadores, o episódio revela um padrão perigoso: ministros do STF estão cada vez mais próximos da política partidária , e cada vez mais distantes do papel constitucional que deveriam exercer.
Especialistas em Direito Constitucional já afirmam que há elementos suficientes para abrir um processo de impeachment contra Dino. A Lei de Crimes de Responsabilidade prevê punição para magistrados que utilizem sua posição para fins político-partidários. E mesmo que raras vezes tenham sido aplicadas, essas regras existem para ser cumpridas e cobradas.
O Rompimento Entre Dino e o Governador Carlos Brandão
O rompimento entre Dino e Carlos Brandão não é recente. Data de meados de 2024, quando Dino assumiu o cargo no STF e começou a se afastar da gestão estadual. Antes, ele tinha influência direta no cenário maranhense. Hoje, busca reconstruir sua base política com outras figuras.
Felipe Camarão tornou-se sua nova aposta. A escolha não é aleatória. Camarão representa uma linha mais alinhada ao governo federal e, principalmente, a Dino. E ao sugerir sua candidatura, o ministro não só reforça sua influência, mas também põe pressão sobre a própria classe política local , que sabe que, com Dino no comando do TSE, decisões eleitorais podem ser interpretadas com viés.
A Bolha do STF Começa a Estourar
Se antes havia uma espécie de blindagem tácita em torno dos ministros do Supremo, agora ela começa a ruir. A cada decisão politizada, a cada movimento estratégico disfarçado de neutralidade, o tribunal perde credibilidade.
E Dino, talvez mais do que qualquer outro, está cavando um buraco fundo demais. Ele, que já enfrenta críticas pelo excesso de protagonismo judicial, agora corre o risco de virar símbolo de uma nova onda de contestação ao comportamento do STF.
Ministros que assistiram perplexos ao caso estão começando a se posicionar internamente. Alguns já consideram que Dino extrapolou. Outros, mais alinhados à esquerda, defendem que ele tem direito à liberdade de expressão.
Mas há uma diferença entre liberdade de expressão e uso de cargo institucional para promoção política. E essa fronteira, Dino não apenas cruzou pisou com força.
A Separação dos Poderes? Há Muito Tempo Ela Sumiu do Brasil
O caso Dino ilustra uma crise maior: a separação dos poderes está sendo ignorada. O Executivo interfere no Legislativo, o Judiciário manipula o Executivo, e o Legislativo se curva ao Judiciário. Um ciclo vicioso, onde a única vítima é o Estado Democrático de Direito.
Dino age como se pertencesse ao Executivo, ao Legislativo e ao próprio Judiciário ao mesmo tempo. Ele critica governadores, lança candidatos e decide processos com o olhar de quem está no meio do jogo político. E o pior: ninguém parece disposto a pará-lo.
O Senado, responsável por julgar eventuais crimes de responsabilidade cometidos por ministros do STF, permanece calado. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também. E enquanto isso, Dino segue sua campanha paralela, sem freios e sem limites.
Por Que Isso Importa para o Brasil Todo
Este não é apenas um caso regional. É um precedente perigoso. Se um ministro do STF pode usar a tribuna acadêmica para lançar candidaturas, qual será o próximo passo? Quem garante que ele não usará sua posição no TSE para beneficiar os mesmos nomes?
Além disso, o que acontecerá quando outros ministros resolverem seguir o mesmo caminho? Quando cada juiz começar a indicar prefeitos, governadores e até presidentes?
Esse tipo de comportamento, se normalizado, transforma o STF numa espécie de parlamento paralelo , onde as decisões não são tomadas por votos, mas por influências ocultas, discursos encobertos e apoios declarados sob falsa neutralidade.
Conclusão: O Brasil Precisa Acordar
É fácil assistir a um vídeo, rir de uma piada mal contada e seguir adiante. Mas devemos ir além. Devemos nos perguntar: qual é o preço de deixar ministros do STF agirem como políticos? E até quando vamos tolerar violações tão explícitas à ética, à Constituição e ao papel de cada poder?
Flávio Dino não errou por brincar com a política. Errou por usar seu cargo para interferir no jogo eleitoral. Errou por tratar o STF como se fosse seu partido político. E errou por acreditar que ninguém iria notar ou, pior, que ninguém iria se importar.
O Brasil precisa de juízes. Precisa de árbitros. Precisa de instâncias neutras para garantir justiça. Mas não precisa de ministros que misturam toga com cartazes de campanha.
E se não houver punição clara, se o Senado continuar mudo e o CNJ fingindo que dorme, estaremos todos perdendo algo muito maior do que um ministro. Estaremos perdendo confiança na própria democracia.
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