Ela tem mais de 50 milhões de seguidores, é uma das maiores influenciadoras do Brasil e seu nome está associado a um dos mercados mais polêmicos da atualidade: o das apostas online. Nesta terça-feira (13), Virgínia Fonseca , digital influencer mineira que saltou à fama com conteúdo sobre moda, beleza e vida pessoal, se viu no centro de um debate nacional ao prestar depoimento como testemunha na CPI das Bets , instalada no Senado Federal.
O convite para comparecer não foi casual. Sua presença na investigação reflete o papel central que figuras públicas como ela desempenham na promoção de plataformas de apostas digitais — algo que levantou bandeiras vermelhas entre autoridades, especialistas em saúde pública e parlamentares preocupados com os impactos sociais e psicológicos dessas práticas, especialmente entre jovens e pessoas vulneráveis.
A sessão durou mais de três horas e trouxe à tona temas complexos: desde cláusulas contratuais questionáveis até a responsabilidade ética de quem lucra com a exposição de jogos de azar. Mas acima de tudo, o depoimento de Virgínia escancarou um sistema que muitos já apontam como predatório — onde o sucesso das casas de apostas depende, muitas vezes, do quanto seus usuários perdem.
Por Que Virgínia Fonseca Foi Chamada? A CPI Busca Entender o Papel dos Influenciadores
O primeiro ponto abordado pela CPI foi justamente a razão do convite à influenciadora. A relatora do caso, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) , explicou que a presença de celebridades digitais na divulgação de jogos online é parte de um esquema maior, cujos riscos vão além do econômico.
“Ninguém ganha das bets, elas existem para ganhar em cima do apostador. Isso é um problema de saúde pública”, afirmou a senadora logo no início da sessão. E isso resume bem o foco da investigação: não se trata apenas de fiscalizar empresas, mas também entender como a publicidade atua na mente do consumidor .
A ideia é simples: se um influenciador com essa projeção recomenda algo, milhares o ouvem. E quando esse algo envolve dinheiro, sorte e risco, o impacto pode ser imenso. A CPI quer saber até que ponto essas parcerias são neutras ou se estão contribuindo para uma cultura de consumo irresponsável — principalmente entre menores de idade.
Contrato Polêmico e a "Cláusula da Desgraça": O Negócio por Trás do Sucesso
Um dos momentos mais tensos do depoimento veio com a pergunta direta: ela assinou contrato com alguma casa de apostas que previa bonificação baseada nas perdas dos jogadores?
Essa prática, conhecida como “cláusula da desgraça” entre especialistas, seria extremamente controversa. O modelo consiste em pagar aos influenciadores não pelo número de novos clientes trazidos, mas sim por cada real perdido pelos usuários da plataforma. Quanto mais as pessoas perdem, mais os influenciadores ganham.
Virgínia negou categoricamente que seu contrato com a Esportes da Sorte tenha incluído cláusulas desse tipo. Segundo ela, a única bonificação prevista era ligada ao aumento real de faturamento da empresa. “Se eu dobrasse o lucro da marca durante os 18 meses de contrato, receberia 30% a mais. Mas essa meta nunca foi atingida. Eu recebi exatamente o combinado.”
Apesar da negativa, a CPI continua investigando se outros influenciadores aceitaram termos diferentes — e se há indícios de que alguns lucraram diretamente com o sofrimento financeiro de seus seguidores .
Alertas Sobre os Riscos? A Dúvida Permanece
Durante o depoimento, Virgínia ressaltou que sempre alertou seu público sobre os riscos envolvidos no jogo online. Ela disse que repetia com frequência mensagens como:
“É um jogo, você pode ganhar e perder. Menores de 18 anos são proibidos. Se possui qualquer tipo de vício, o recomendado é não entrar. E jogue com responsabilidade.”
Mas a pergunta que ficou no ar foi inevitável: isso basta? Afinal, quantos realmente prestam atenção a avisos assim diante da promessa de ganhos rápidos e da emoção de ver alguém famoso fazendo apostas?
Alguns senadores presentes à sessão lembraram que, mesmo com essas frases, o poder de sedução da imagem de uma influenciadora bilionária pode ser muito maior do que o texto de advertência. E que, por trás do discurso de responsabilidade, há uma verdade inegável: jogos de azar têm potencial viciante alto — e a presença de celebridades na propaganda dessas plataformas só aumenta sua atratividade.
Contas Fornecidas Pelas Empresas: Um Detalhe Técnico Com Implicações Éticas
Outro ponto delicado abordado na CPI foi o uso de contas fornecidas pelas próprias plataformas para gravar vídeos promocionais. Essas contas, segundo Virgínia, eram criadas especificamente para fins de gravação e tinham acesso controlado pelas operadoras de jogo.
“É uma conta que eles mandam senha. É uma conta feita pra mim jogar. Não é fake”, afirmou a influenciadora, tentando dissipar dúvidas sobre manipulação ou engano proposital nos resultados mostrados.
Mas a questão vai além da legalidade. Ela toca na ética da representação . Enquanto os influenciadores usam contas patrocinadas, onde os valores são pré-carregados e os ganhos parecem garantidos, o usuário médio entra com seu próprio dinheiro, sem nenhuma proteção financeira. E, muitas vezes, sem compreender plenamente os riscos envolvidos.
Isso cria uma distorção perigosa: quem assiste ao vídeo vê um resultado positivo, mas não entende o contexto artificial daquele cenário . É como se um anúncio de bebida alcoólica fosse apresentado por um ator embriagado, mas dizendo que o álcool é perigoso. A mensagem contradiz a prática.
Arrependimento? Não. Reflexão? Talvez Sim
Ao final do depoimento, Virgínia foi questionada se sentia algum arrependimento por ter participado de campanhas publicitárias para casas de apostas. Sua resposta foi clara e firme:
“Eu não me arrependo de absolutamente nada do que já fiz na minha vida. Acredito que tudo serviu de ensinamento. Vou chegar em casa e pensar, pode ter certeza.”
Uma resposta que mistura determinação com reconhecimento tácito de que algo precisa mudar . Apesar de não demonstrar remorso, ela admitiu que o tema merece reflexão e que, após esse processo, talvez suas futuras parcerias sejam revistas.
Quanto ao apoio a seguidores que enfrentam dificuldades financeiras por causa das apostas, ela foi transparente:
“Eu não tenho poder de fazer nada. Então, aí, tá complicado.”
Foi uma resposta dura, mas honesta. E que reforçou a conclusão da CPI: as plataformas precisam assumir responsabilidade. Os influenciadores podem ter intenção boa, mas não são guardiães da saúde financeira de milhões.
Por Trás da Investigação: Um Sistema que Lucra com o Prejuízo Alheio
O depoimento de Virgínia é parte de uma investigação maior — e mais urgente. A CPI das Bets está analisando como empresas do setor montaram estratégias de marketing que colocam influenciadores como protagonistas de uma narrativa perigosa : a de que apostar é fácil, rápido e seguro.
No entanto, dados do Ministério da Justiça indicam que milhares de brasileiros enfrentam problemas graves de vício em jogos online . Muitos deles começaram com pequenas apostas, incentivadas por influenciadores que mostravam apenas os lados vencedores da história.
Agora, com o avanço das investigações, surge a pergunta crucial: seria possível regulamentar esse mercado sem sufocar a liberdade de expressão? Ou estamos diante de um fenômeno que ultrapassou os limites do entretenimento e entrou no campo da exploração comercial de comportamentos humanos mais instáveis?
As Cláusulas Obscuras e o Papel Real dos Influenciadores
Enquanto o país debate, a CPI continua vasculhando contratos e cláusulas obscuras. Há suspeitas de que alguns influenciadores tenham assinado acordos onde ganham comissão proporcional às perdas dos jogadores — ou seja, quanto mais os usuários perdem, mais os influenciadores ganham.
Se confirmado, esse modelo seria um dos mais perversos já identificados no mercado digital. Ele transformaria influenciadores em verdadeiros agentes de um esquema que lucra com a desgraça alheia . E isso não só viola princípios éticos, como também abre espaço para debates jurídicos sobre o caráter ilegal dessa forma de pagamento.
Virgínia negou ter assinado algo assim. Mas o fato de a CPI estar analisando contratos sob sigilo indica que outras vozes podem contar uma história diferente.
O Impacto Social: Quando a Internet Vira Fonte de Dependência
Muitos ainda tratam o mundo das apostas online como algo inofensivo — um passatempo moderno, como jogar loteria ou ir ao cassino. Mas os números contam outra história.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Proteção ao Consumidor (Idec), o número de reclamações contra plataformas de apostas cresceu mais de 300% nos últimos três anos . E quase metade dessas denúncias envolvem usuários com menos de 18 anos , o que é proibido por lei.
Além disso, centros de combate ao vício relatam um aumento exponencial de casos relacionados ao uso compulsivo de aplicativos de aposta. Em muitos casos, jovens endividam-se em questão de semanas, atraídos pela facilidade de acesso e pela pressão constante das redes sociais.
É nesse contexto que a presença de Virgínia na CPI se torna tão simbólica. Não por acaso, mas porque ela representa um modelo de influência que precisa ser repensado .
O Futuro da CPI: Outras Testemunhas e Novas Revelações
Após o depoimento, Virgínia entregou à comissão documentos relacionados a seus contratos com duas das principais plataformas do setor: Esportes da Sorte e Blaze . As informações serão mantidas sob sigilo enquanto forem analisadas.
A expectativa é que outros influenciadores sejam chamados para depor. Além disso, representantes legais das próprias plataformas devem ser ouvidos, para que se entenda melhor como funcionam as estruturas de comissionamento, os critérios de seleção de influenciadores e os mecanismos de controle de acesso por menores.
A CPI busca, acima de tudo, mapear até onde vai a responsabilidade individual e institucional nesse negócio bilionário . E, possivelmente, propor mudanças legislativas capazes de frear práticas predatórias.
Uma Nova Era de Responsabilidade Precisa Começar
O depoimento de Virgínia Fonseca na CPI das Bets foi mais do que uma sessão técnica. Foi uma janela para entendermos como a internet, os influenciadores e o mercado digital se cruzam num terreno perigoso. E como, muitas vezes, o limite entre entretenimento e exploração financeira se torna tênue.
Se há algo que o Brasil precisa aprender com esse caso, é que não dá mais para ignorar os efeitos colaterais da economia digital . O jogo online não é apenas uma atividade recreativa — é uma indústria que move bilhões e que, por vezes, constrói sua fortuna sobre a ruína de milhares de brasileiros .
A CPI está no começo. Mas o recado já começou a ser dado: o jogo online precisa de limites. E os que dele lucram, também.
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