"Admiramos o Regime Chinês", diz Gilmar Mendes em Debate Sobre Censura Nas Redes


Enquanto o Congresso Nacional opta em não debater sobre como regular as redes sociais, o Supremo Tribunal Federal assume papel que não lhe compete e começa a desenhar novas regras para a internet no Brasil. E, durante esse debate, o ministro Gilmar Mendes surpreendeu ao dizer que os próprios ministros do STF seriam “admiradores do regime chinês”. A frase, tirada da famosa teoria de Deng Xiaoping “não importa a cor do gato, desde que ele cace ratos” foi usada como justificativa para defender uma maior presença estatal na fiscalização das plataformas digitais.


O problema é que o modelo chinês inclui censura, vigilância e controle rígido da informação . E usar essa ideia como referência num país democrático levanta dúvidas sobre até onde vai o compromisso do STF com a liberdade de expressão dos brasileiros.


"Admiramos o regime chinês", diz Gilmar Mendes em debate sobre censura nas redes

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta quarta-feira que todos os ministros da Corte admitem e até admiram o modelo chinês de regulação da comunicação. A declaração foi feita durante o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que define quando plataformas podem ou não ser responsabilizadas por conteúdos postados pelos usuários.


Mendes citou a conhecida frase do ex-líder chinês Deng Xiaoping: “Não importa se o gato é preto ou branco, o importante é que ele cace o rato.” O ditado simboliza a ideia de que o resultado importa mais do que o método usado nesse caso, sugerindo que não importaria se a entidade reguladora fosse pública ou privada , contanto que ela funcionasse.


A fala aconteceu enquanto o ministro Cristiano Zanin defendia a criação de uma entidade privada, composta pelas próprias plataformas, para moderar conteúdos na internet. Gilmar discordou e disse que essa divisão entre público e privado é ultrapassada , usando o exemplo da China para ilustrar seu ponto de vista.


“Isso é algo que já se discute mundo afora. Todos nós, aqui, somos admiradores do regime do Xi Jinping, né?”, ironizou. Em seguida, Barroso lembrou que a frase original era de Deng Xiaoping , líder que modernizou a economia chinesa nos anos 70 e 80, sem abrir mão do controle político.


Regime chinês como inspiração?

Gilmar destacou que cada país tem o seu jeito de controlar a internet, e que o Brasil precisa encontrar o seu próprio caminho. Ele citou ainda que o país enfrentou uma grave crise de ataques às instituições , vindos inclusive de setores do governo e das Forças Armadas, e que o Judiciário respondeu com eficácia a essas ameaças.


“Se olharmos para os últimos anos, vemos que demos resposta a problemas sérios. Precisamos perder esse complexo de inferioridade e reconhecer que criamos mecanismos de defesa importantes”, disse o decano, lembrando a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra fake news e ataques à democracia.


Ele rebateu a ideia de que qualquer intervenção estatal nas redes sociais seria negativa:

“A experiência do TSE mostra que pode dar certo. Então, não dá pra sair repetindo que ‘toda presença do Estado é ruim’. Isso é simplificação”, afirmou.


Para Gilmar, a dificuldade em definir a natureza das entidades reguladoras é real, especialmente porque muitas delas acabam dominadas pelo mercado que deveriam fiscalizar. Mesmo assim, ele insistiu que o foco deve ser no funcionamento da entidade , e não tanto em quem a comanda.


Diferentes visões sobre a moderação

Antes de Gilmar, outros ministros já haviam apresentado suas posições sobre como as redes sociais devem ser tratadas juridicamente.


O ministro Flávio Dino sugeriu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) ficasse responsável por fiscalizar plataformas digitais enquanto o Congresso não aprova uma nova lei. Ele também defendeu o conceito de “falha sistêmica”, segundo o qual as empresas só seriam punidas se tolerarem repetidamente conteúdos ilegais.


Já Cristiano Zanin propôs que redes com algoritmos ativos sejam mais cobradas por conteúdos perigosos. Ele dividiu os casos em duas categorias: os de notificação extrajudicial, para plataformas com curadoria, e os que exigem ordem judicial, para serviços neutros, como provedores de domínio.


Zanin chamou atenção para a influência das redes sociais no debate político e na vida dos cidadãos:

“As plataformas têm um grande impacto na democracia e na proteção de direitos fundamentais. Por isso, elas precisam assumir mais responsabilidade.”


Modelo atual x necessidade de mudança

O julgamento no STF trata da possibilidade de responsabilizar plataformas por conteúdos ilegais postados por terceiros . Hoje, o artigo 19 do Marco Civil da Internet impede que as empresas sejam punidas por publicações de usuários, exceto quando descumprirem ordens judiciais de remoção.


Vários ministros argumentam que esse modelo é ultrapassado e que as plataformas devem agir de forma mais proativa, especialmente em situações graves, como pornografia infantil, terrorismo e golpes contra o Estado Democrático de Direito.


Apesar disso, há preocupação entre juristas e especialistas em direitos humanos: definições vagas desses crimes podem gerar abusos , e o poder de decisão acaba ficando concentrado no Estado, o que pode estimular a censura prévia e a retirada arbitrária de conteúdos políticos.


Chama atenção o fato de um ministro do Supremo tomar o regime chinês como referência para regular a internet no Brasil , num momento em que o país vive um intenso debate sobre liberdade de expressão e censura digital. O modelo chinês é conhecido por bloqueios rigorosos, controle estatal e vigilância constante — algo incompatível com os princípios democráticos que o Brasil supostamente defende.


Ao invés de esperar que o Parlamento, eleito pelo povo, decida com clareza e transparência como tratar as redes sociais, o STF está impondo mudanças radicais no marco legal, sob o pretexto de que o Congresso estaria paralisado. Mas não votar não é omissão – é uma escolha política legítima .


O problema é que, ao reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil, o tribunal abre espaço para que qualquer conteúdo considerado politicamente inconveniente seja removido antes mesmo de ir ao ar , com base em critérios subjetivos e amplas interpretações de ameaça ao Estado.


Essa decisão do STF pode marcar o início de um novo padrão de moderação online, onde o medo da punição substitui o diálogo e a liberdade de opinião . E, com a China como inspiração, o futuro da internet no Brasil parece cada vez mais distante da verdadeira democracia — e mais próximo do controle estatal mascarado de combate às fake news.

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