Mesmo diante de um processo judicial grave, Jair Bolsonaro tem conseguido transformar a pressão em vantagem política. Seu depoimento no Supremo Tribunal Federal, longe de ser apenas uma resposta técnica às acusações, virou palanque e reforçou sua imagem como vítima de perseguição. Enquanto enfrenta inelegibilidade até 2030, o ex-presidente ainda se mantém como líder da direita brasileira e usa sua posição para manter seus apoiadores mobilizados.
A narrativa construída por ele e por aliados é clara: ele não está sendo julgado por crimes, mas por suas ideias e críticas ao sistema eleitoral . E isso, segundo analistas, só fortalece seu papel na cena política nacional, mesmo fora do páreo eleitoral imediato.
Depoimento de Bolsonaro vira ferramenta política
Durante seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal, Jair Bolsonaro aproveitou para moldar a percepção de parte de seu eleitorado sobre as acusações que enfrenta. Ele negou envolvimento com qualquer plano golpista, manteve sua crítica à segurança das urnas eletrônicas e evitou confrontos diretos com o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso.
Apesar de ter sido condenado em outros processos e estar inelegível até 2030, Bolsonaro continua sendo uma figura importante na direita brasileira. Seu discurso de injustiça e perseguição jurídica tem reforçado sua imagem entre os apoiadores, especialmente daqueles que veem o Judiciário como politizado.
Aliados do ex-presidente dizem que as ações contra ele são motivadas pela tentativa de tirá-lo do cenário político. O deputado Mário Frias afirmou que Bolsonaro voltará com força no futuro, e a deputada Júlia Zanatta defendeu sua inocência, dizendo que não há provas concretas que o incriminem .
O cientista político Adriano Cerqueira observa que a popularidade de Bolsonaro hoje é maior do que no fim de 2022, o que mostra sua resiliência. Apesar de não poder disputar a Presidência em 2026, ele pode continuar influenciando o jogo político por meio de familiares e aliados importantes.
Influência sem candidatura própria
Bolsonaro já não será candidato nas próximas eleições, mas sua marca segue forte. Sua mulher, Michelle, e seu filho Eduardo estão entre os nomes cotados para carregar adiante suas ideias. Eduardo, inclusive, atua nos Estados Unidos, onde busca apoio internacional para a causa conservadora no Brasil.
Outros governadores de direita, como Ronaldo Caiado (Goiás), Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ratinho Jr. (Paraná), também podem ser peças-chave na construção de uma alternativa política em 2026. A expectativa é que Bolsonaro use sua posição para articular apoios e ajudar a lançar um nome alinhado com sua visão.
Crítica ao sistema judicial ganha força
O senador Rogério Marinho, ex-ministro de Bolsonaro, disse que o país vive um momento em que debater certas ideias virou motivo de punição . Segundo ele, quem discorda do caminho tomado pelo governo ou pelas instituições corre risco de ser investigado ou criminalizado.
Já o estrategista Gilmar Arruda afirma que Bolsonaro está usando um tom mais calmo agora, diferente do período em que era presidente e contava com foro privilegiado. “Ele delegou as críticas mais duras aos aliados”, explicou. “Evita passar a imagem de radical, o que prejudicaria sua base.”
Cenário político e polarização
Apesar de todas as dificuldades jurídicas, Bolsonaro ainda aparece como um dos principais polos de resistência à atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. O desgaste do petista, provocado por aumento de impostos e escândalos como o do INSS, pode beneficiar a direita no próximo pleito.
Cerqueira destaca que Lula já perdeu apoio entre alguns eleitores que antes o apoiavam. E há uma possibilidade real de que partidos de centro-direita lancem um único candidato logo no primeiro turno, apostando numa vitória antecipada.
Segundo o advogado Anderson Flexa, a Justiça precisa tomar cuidado para não parecer politizada:
“Se os julgamentos forem vistos como armação contra adversários políticos, vão acabar com a credibilidade das instituições. É essencial que tudo seja feito com isenção”, alertou.
Flexa enfatiza que, num ambiente tão dividido, a sociedade espera justiça, não vingança . Ele acredita que o STF deve agir com legalismo rigoroso para recuperar confiança.
Divisão da direita preocupa aliados
Leandro Gabiati lembra que, sem Bolsonaro na disputa, o campo conservador tende a ficar mais disperso. Isso pode dificultar a união em torno de um único nome capaz de reunir todos os segmentos da direita.
Gilmar Arruda reforça essa preocupação:
“A direita tem que aprender a se unir. Se continuar dividida, vai perder espaço para a esquerda.”
Ele acredita que Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, pode surgir como alternativa viável, desde que tenha o apoio explícito de Bolsonaro. Além disso, o julgamento do ex-presidente pode servir para unir a base mais fiel dele , embora setores moderados prefiram se distanciar para evitar danos colaterais.
Crise de credibilidade do Judiciário
O julgamento de Bolsonaro expõe um problema maior: a falta de confiança do povo brasileiro nas instituições judiciais . Pesquisas mostram que muitos consideram decisões do STF politizadas, o que alimenta a descrença no sistema.
Adriano Cerqueira afirma que a acusação de "golpe" tem pouca aceitação fora da militância de esquerda. Já Luiz Jardim, outro especialista, diz que a Justiça vem perdendo apoio popular, e isso reflete na forma como os brasileiros avaliam o processo.
Para Jardim, o julgamento do STF está gerando mais divisão do que solução . E, enquanto isso, o país parece girar em torno de um novo ciclo de investigações, sem clareza sobre o que é crime ou crítica legítima.
O depoimento de Bolsonaro no STF foi muito mais do que uma resposta jurídica — virou peça de campanha. Com sua imagem de perseguição, ele reforça sua posição de liderança moral da direita, mesmo sem poder ser candidato. O risco é que o processo se torne mais um capítulo da guerra política travada dentro do Poder Judiciário , onde acusações se misturam com estratégia eleitoral.
Enquanto isso, a Justiça perde cada vez mais pontos com a população. Para muitos, o que está em julgamento não é apenas o ex-presidente, mas a própria imparcialidade do STF . E enquanto a esquerda celebra como uma vitória, a direita enxerga um ataque e se mobiliza em defesa de seus valores.
O caminho da direita, agora, passa por superar a ausência de Bolsonaro na disputa presidencial e encontrar um nome forte que consiga unir os diversos grupos conservadores espalhados pelo país. Se falhar nessa missão, corre o risco de perder espaço novamente. Mas se souber usar a narrativa de injustiça a seu favor, pode sair fortalecida dessa batalha judicial, mesmo com o ex-presidente distante do cargo. O debate agora é interno: será que a direita vai se unir ou vai se fragmentar?
E, mais do que nunca, o papel do Judiciário também está em xeque. Julgar é necessário, mas politizar o processo pode custar caro ao próprio sistema de justiça , abalando a confiança de quem espera que as instituições sigam firmes, neutras e transparentes.
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