O governo Lula enfrenta um momento delicado nas contas públicas e tenta se equilibrar entre a pressão do Congresso e as reações do mercado. Enquanto busca fechar as contas com novos impostos, como aumento de taxas sobre investidores e apostas online, parlamentares resistem ao modelo e ameaçam derrubar parte das medidas.
A saída adotada pela equipe econômica é substituir o aumento do IOF por outras cobranças mas não toca nos gastos que realmente afundam o país. O resultado é um impasse que pode levar o Brasil ao limite da crise fiscal. A falta de coragem dos dois lados em mexer no que dói está colocando o futuro do país em risco.
Governo recua no IOF, mas aumenta outros impostos
Na tentativa de segurar o rombo nas contas federais, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva publicou uma medida provisória na terça-feira para compensar a forte rejeição ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras. O problema é que, ao invés de reduzir os gastos, o Planalto optou por trocar um tributo por outros, criando nova onda de cobrança sobre investidores e setores produtivos.
A MP eleva de 12% para 18% a alíquota cobrada sobre as chamadas “bets” ou seja, casas de aposta online depois da dedução de prêmios. Além disso, passa a cobrar 5% de Imposto de Renda sobre LCIs e LCAs, títulos até então isentos. Fintechs e cooperativas de crédito também estão na mira, assim como a distribuição de lucros pelas empresas, que agora sofrerá maior tributação.
Essas mudanças fazem parte do esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para zerar o déficit primário, ou seja, garantir que o governo arrecade mais do que gasta, sem considerar juros da dívida. Mas ele não incluiu cortes reais de despesas, apenas ajustes pontuais que prometem gerar mais impacto negativo no mercado e na economia real.
Já está previsto que a receita extra com essas medidas caia de R$ 20 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões em 2025, o que mostra a fragilidade do plano. E o pior ainda está por vir: o Congresso já avisou que não vai aprovar esse tipo de estratégia sem mudanças profundas.
Rejeição cresce no mercado e no Parlamento
A reação ao novo pacote foi amplamente negativa. No mercado financeiro, há medo de que a decisão gere insegurança jurídica e prejudique o crescimento do setor digital. Entre os parlamentares, o sentimento é de que o governo insiste em tapar buracos com mais impostos, sem encarar de frente o verdadeiro problema: o tamanho do gasto público.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, já sinalizou que vai votar um projeto para revogar o decreto original do IOF. Ele também deixou claro que não há compromisso com a aprovação da Medida Provisória do novo pacote:
“Não dá pra resolver crise só aumentando imposto. Isso não funciona”, disse.
Partidos aliados, como PP e União Brasil, que controlam ministérios importantes, também mostraram resistência às novas taxações. Com isso, a base governista começa a rachar e o clima político fica ainda mais tenso.
Economistas consultados pela imprensa avaliam que essa é mais uma solução paliativa do que um plano estrutural:
“É tudo remendo. Não resolve o problema de fundo das contas do Estado”, afirmou Mauro Rochlin, da FGV-RJ.
Juliana Inhasz, economista do Insper, alerta que o país caminha para um colapso fiscal anunciado :
“A gente está num beco sem saída. Se não houver corte efetivo de gastos obrigatórios, vamos chegar a um ponto em que nem os gastos básicos do governo vão caber no Orçamento.”
Colapso fiscal à vista
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026 já mostra que o cenário é sombrio. Nos anos de 2027, 2028 e 2029, o espaço para gastos discricionários como investimentos e custeio será cada vez menor. Tudo porque as despesas obrigatórias continuam subindo sem controle.
Esse problema foi agravado pelo retorno de mecanismos automáticos de aumento de despesas, como o reajuste do salário mínimo atrelado ao PIB, e pela eliminação do teto de gastos, aprovada com a PEC da Transição. Hoje, mais de 94% do orçamento federal é comprometido com despesas fixas, como aposentadorias, salários de servidores e programas sociais.
A Instituição Fiscal Independente projeta que, em 2027, essa fatia subirá para 96% do total, o que praticamente elimina qualquer liberdade para investir ou inovar.
Além disso, o retorno dos precatórios ao Orçamento em 2027 deve trazer um custo adicional de quase R$ 50 bilhões, segundo dados do próprio governo. Somado aos R$ 52 bilhões em emendas impositivas, restará ao Executivo apenas R$ 70 bilhões para todas as outras despesas, como manutenção de órgãos e políticas emergenciais.
Reformas necessárias continuam de fora
Enquanto isso, temas fundamentais como reforma da previdência, revisão de benefícios fiscais e revisão do Simples Nacional e da Zona Franca de Manaus seguem intocáveis.
O Simples responde por mais de R$ 100 bilhões anuais em renúncias fiscais, mas tem pouco impacto na formalização de pequenas empresas. Já a Zona Franca de Manaus consome até R$ 35 bilhões por ano em incentivos, sem grandes resultados produtivos ou sociais.
Mesmo com os números alarmantes, ninguém quer mexer nesses assuntos, por conta da influência política e econômica desses modelos. Muitos parlamentares evitam falar neles por medo de perder apoio de grupos poderosos.
Haddad reconhece que os benefícios fiscais tiram R$ 500 bilhões do caixa público todos os anos, mas sabe que mexer nisso exigiria confronto direto com interesses fortes e historicamente protegidos.
Congresso quer agir, mas não encara os pontos difíceis
Apesar da pressão, o Congresso tem tentado mostrar disposição para a responsabilidade fiscal. Motta nomeou o deputado Pedro Paulo como coordenador de uma proposta de reforma administrativa. O objetivo é buscar alternativas reais para o equilíbrio orçamentário.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado, também apoia a iniciativa, dizendo que o Parlamento está disposto a discutir temas difíceis desde que eles façam sentido. Mas, até agora, os principais vetes são contra mudanças que mexem com privilégios ou com grupos de pressão.
Motta defende a revisão de incentivos e a desconexão entre o salário mínimo e os benefícios previdenciários, mas não consegue avançar. Temores eleitorais e lobby forte travam qualquer mudança mais profunda.
Dívida pública sobe e vira bomba-relógio
Enquanto o debate caminha a passos lentos, a dívida do país segue subindo. Segundo projeções, ela pode alcançar 84,2% do PIB em 2028 e, segundo o Fundo Monetário Internacional, chegar a 94,7%, caso o ritmo continue.
Com a Selic em 14,75% ao ano, o custo do endividamento do governo tende a explodir. A cada 1% de aumento nos juros, o país gasta R$ 100 bilhões a mais por ano com o pagamento da dívida.
Rochlin destaca que falar em superávit primário é ilusório enquanto o foco continuar sendo arrecadar mais e não gastar menos:
“Você não resolve nada com mais impostos se a máquina continua inchada. O Banco Central não consegue baixar os juros se a dívida seguir crescendo. O país está prestes a entrar numa armadilha fiscal muito perigosa.”
Ele alerta que o Brasil está perto da dominância fiscal, quando o descontrole das contas públicas impede o controle da inflação, mesmo com juros altos.
“Se não houver contenção séria de gastos, vamos perder autonomia do Banco Central e mergulhar de vez na crise”, afirma.
O embate entre o governo Lula e o Congresso revela um jogo perigoso de empurra-empurra. O Palácio do Planalto insiste em aumentar impostos como forma rápida de fechar as contas, mas foge de decisões difíceis e urgentes sobre o lado das despesas. Já o Parlamento, embora critique as escolhas do Executivo, também hesita em encarar reformas que mexem com grupos de interesse estabelecidos, como o Simples Nacional e a Zona Franca.
O resultado é um impasse que joga o país para perto de um colapso fiscal real, com dívida crescendo acima do PIB e margem para investimentos públicos encolhendo ano após ano.
Enquanto isso, a população assiste de fora, pagando a conta com juros altos, inflação alta e serviços públicos precários. O que está em jogo não é só a aprovação de uma MP ou a discussão de uma PEC é o futuro do Estado brasileiro e da economia nacional.
Se o governo e o Congresso não assumirem suas responsabilidades e começarem a tomar medidas estruturais e não apenas remendos eleitoreiros o Brasil corre o risco de ficar sem dinheiro nem para cumprir suas obrigações básicas. E, infelizmente, quem vai pagar o preço é o contribuinte comum, que vê seu futuro ser negociado com calma enquanto a crise bate à porta.
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